É de conhecimento público que a tragédia da Braskem deixou milhares de famílias sem ter onde morar e sem perspectiva de terem seus problemas resolvidos, de forma satisfatória. A atividade de mineração da empresa afetou diversos bairros de Maceió, inclusive a região dos Flexais, cujos moradores foram ouvidos, no último dia 19 de janeiro, por conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Observatório de Causas de Grande Repercussão (OCGR).
Na ocasião, a Justiça condenou a Braskem a pagar indenização a mais de 3 mil moradores que residem nos Flexais. Conforme a decisão do juiz André Granja, da 3ª Vara Federal, a mineradora deve pagar R$ 12.500 para cada um dos proprietários de imóvel residencial ou comercial nos Flexais e outras localidades.
A decisão atende a Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública Estadual (DPE-AL) que pediu a realocação e a indenização para os moradores dos Flexais. No entanto, o órgão irá recorrer da decisão, pois entendeu que o valor está muito aquém do que a população necessita e espera.
O CadaMinuto conversou com o defensor público e coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública, Ricardo Antunes Melro, que explicou que o valor fixado pelo judiciário, por unidade familiar, é muito abaixo do necessário e ocasiona uma desigualdade esmagadora.
De acordo com o defensor público, cerca de 3.500 pessoas ainda residem na região dos Flexais e o órgão irá buscar um valor mais justo para as famílias afetadas da localidade. Melro falou sobre os quase 80% dos moradores que aguardam realocação e sobre o posicionamento da Prefeitura e do Estado em relação a ação da Defensoria Pública.
Confira a entrevista:
Quantos moradores da região dos Flexais aguardam indenização e quantos devem ser indenizados?
Não sei o número certo, mas, há um ano e meio, quase 80% queriam realocação com justas indenizações. Hoje, depois da mina 18 e do total abandono pela Braskem e do Município, cerca de 95% aguardam o desfecho da realocação, segundo as lideranças. A comunidade tem cerca de 3 mil pessoas.
O valor de R$ 12,5 mil fixado pela Justiça, por unidade familiar, foi definido levando em consideração quais critérios? Não é um valor muito baixo para quem ficou sem lugar para morar ou teve seu imóvel danificado?
É um valor baixíssimo. Se levar em consideração que cada núcleo familiar dos Flexais é composto por 4 pessoas, fica R$ 3.150 para cada um (R$ 12.500÷4). Apenas para exemplificar, os casos que há inscrição indevida do nome do cidadão nos cadastros de proteção de crédito (Serasa e SPC), as condenações oscilam entre 3 e 4 mil reais. E se dessa inscrição o cidadão tem uma compra recusada ou financiamento negado, o valor sobe para 5 ou 8 mil reais.
Então, pergunta-se: ser vítima da Braskem no ilhamento é menos danoso que uma simples inscrição nos órgãos de proteção de crédito? Lógico que não. Parece-me que não foi uma decisão justa. E não foi justa porque o juiz levou em consideração o acordo de requalificação feito entre a Braskem, Prefeitura, MPF (Ministério Público Federal) , MPE (Ministério Público Estadual) e DPU (Defensoria Pública da União). No acordo, foi tabelado R$ 25 mil por família. O juiz considerou que, em 2022, a comunidade estava ilhada há dois anos. Logo, seriam 12.500 por ano. Ocorre que o valor tabelado no mencionado acordo não foi bom. Muito pelo contrário. E por isso questionamos.
Qual o valor da indenização que a Defensoria Pública vai pleitear ? Esse valor seria o ideal?
O nosso pedido foi de R$ 100 mil por pessoa. Levamos em consideração o estudo da Caritas, feito para Brumadinho e Mariana. Seria mais justo.
O valor estipulado seria pago anualmente, não é? Por quanto tempo?
Anualmente, até que a situação do isolamento termine, seja pela realocação, seja pela reurbanização.
A situação de dano na região dos Flexais é mesmo pior que a dos demais bairros? Por quê?
Em relação aos danos morais é muito pior, pois as vítimas dos demais bairros não ficaram expostas ao dano diário igual as dos Flexais, que já estão diariamente sofrendo há quase quatro anos. As vítimas dos demais bairros receberam o dano material, na grande maioria em um ano e meio, e puderam sair para um local seguro e adequado. As dos Flexais querem ser realocadas, mas suas vontades foram descartadas e foram colocadas numa espécie de castigo com a permanência forçada no ilhamento. Sem as indenizações materiais e morais, elas não têm para onde ir.
Mas, frise-se, que os danos morais para as vítimas dos outros bairros fixados em R$ 40 mil foram absurdos e impostos pela Braskem numa chantagem, pois os moradores somente receberiam os danos materiais (valor da casa) se aceitassem o dano moral tabelado. Vamos fazer ACP (Ação Civil Pública) para a revisão de tudo.
Além de pleitear por um valor de indenização maior, o que a Defensoria pretende tentar garantir para os moradores da região dos Flexais?
A realocação. O juiz ainda não julgou essa parte do processo. Quer fazer uma perícia. Mas chamamos a atenção para o fato de o processo estar transbordando de provas feitas por órgãos públicos e oficiais, que, portanto, têm presunção de legitimidade, a exemplo dos antropólogos do MPF e da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), além da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da Ufal e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) também quer intermediar essa realocação. Sabe que é o caminho.
Quais as reivindicações dos moradores que procuraram a DP?
Realocação com justas indenizações. Infelizmente, a Prefeitura de Maceió não foi a favor de nada que pleiteamos para essa comunidade dentro da ACP. Não falou da justa indenização e foi fortemente contra a realocação, descumprindo o que tinha se comprometido publicamente há pouco tempo. Uma posição dela a favor teria peso no processo. O Estado se posicionou ao nosso lado na relação processual. Só trato de fatos. Está tudo no processo. A luta continua.